“Lave bem as mãos!”, “não saia de casa!”, “fique a um metro de distância das pessoas!”, “use luvas e máscaras!”. Essas e diversas outras têm sido as orientações que mais temos ouvido nesses últimos tempos. Estar em casa tem me lembrado de outro meio de comunicação um tanto esquecido por muitos e que agora tem falado bastante: o corpo. Sim, o corpo, um lugar sagrado onde o relacionamento acontece, onde, de fato, é o ponto de encontro entre o de “dentro” e o de “fora”. Lugar onde, nos dias atuais, tem quebrado as regras da física, pois mesmo parado está em constante movimento. Dentro de si, há tanto barulho, há tantos gritos mudos, tantas dúvidas e temores transformados em noites sem dormir, nostalgias, o que me faz repetir que, por mais parados que estejamos, nossos corpos se encarregam de apresentar o seu próprio discurso.  Estar em casa esses dias para muitos tem sido o tempo em que, de fato, as pessoas têm se encarado diante do espelho, e isso implica reorganizar, pensar o que é importante na vida, pensar no que realmente tem valor. Falar de corpo é falar de história. Mas como posso falar dessa história se ela ainda está em processo? Vai ficando claro que suposições erradas sobre Deus, levam-me a conclusões erradas sobre mim. Então para entender um pouco mais, preciso perguntar ao Criador dela. Aprendo que carrego em meu corpo uma identidade dita por Ele a mim. Resgatando essa relação com meu Criador, vou entendendo o que Jonathan Edwards quis dizer quando afirmou “raios dispersos, mas Ele é o Sol”, quando eu experimento qualquer razão, emoção, amor, graça, bondade, beleza ou poder reais num outro alguém ou algo, Ele é o sol que encontramos enquanto refletimos os raios da sua verdadeira Fonte. Ele pode moldar, expandir, iluminar e se desenvolver em nós de modos que nenhuma quantidade de dinheiro, poder, amores, impulsos ou qualquer outro objeto de adoração concebível o possa. Mesmo depois de tantas buscas, insisto em não desistir desse desafio chamado viver. Não me conformo em ser esse eterno paradoxo entre o real sentido do presente, sem deixar de esperar por um porvir imenso e infinito. Mesmo entorpecido pela rotina, tomo coragem para enfrentar meus próprios barulhos e meu vazio, entendendo que as respostas que tanto quero podem se tornar um convite a um novo olhar. 

Texto: Felipe Ramos

Corri feito louco
Xingando te de doido

“Como podes errar comigo assim.
Deus onde estavas quando me xingaram de macaco?
Ou que sou nego fedido
Um bandido?”
“Será que sou? Será que errastes comigo assim?
Há de fato maldição sobre mim?”

Achava que sim.
Negro sou
Gritei:

“Será que poderia
me embranquecer?”

Até que ouvi o eterno me dizer do meio de uma tempestade:

“Louco. Homem louco.
Como podes achar isto.
Achas que sou um otario?
Que erra e faz de novo?
Não seu louco.
Se tu és negro
É porque o quis assim”.

“Não se lembras meninin?
Eu que te fiz. Lestes na bíblia
tudo foi feito por mim.
Pra mim
Inclusive você.”

“Fui eu que enrolei teu cabelo
Com meus grossos dedos.
Fui eu que os encrespei.”
“Os pássaros, eles avoaçaram e fizeram morada no ninho dos teus cachos.”

“Mergulhei um pincel num pote de melanina e chapei na tela.”
“Ficou todo melaninado.”
“E eu modelei tua boca deste jeito.
Pra cantar em Yoruba.”

“Não menino. Não errei com você.
Eu te fiz assim.
E tudo que eu fiz
É bom.”

Depois disso cai em mim
Percebi q o eterno me fez assim.
E diante disso me calei.
E O louvei
O meu Deus que me fez
PRETO.