O que mais posso fazer?

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O que mais posso fazer?

Agora são exatamente 19:45. Comecei a digitar essas palavras por conta de um compromisso que fiz há alguns dias. Esse é o mês da entrega deste texto e a finalização de mais uma de minhas tarefas. Acaba sendo a conclusão de mais um dia como muitos outros que tenho vivido. Também, me “desconectei” agora pouco do meu trabalho remunerado diário e consegui concluir as tarefas propostas para o dia de hoje. Muito empenho, muita coisa, mas a sensação continua a mesma: “O que mais posso fazer?”

Talvez eu fosse a última pessoa a escrever sobre esgotamento ligado ao trabalho. Talvez fosse a última a falar sobre comportamentos compulsivos ligados ao processo produtivo. Mas talvez seja interessante também ouvir de alguém que está imerso no processo da roda diária tarefeira que não passa. Mas aqui, posso ao menos compartilhar com quem se identifica com isso e que talvez não saiba dar nomes para o que sente, mesmo sentido que por mais coisas que faça, ainda não parecem ser o suficiente.

Há algum tempo venho estudando sobre a nossa relação com o trabalho a partir da narrativa da criação descrita no livro de Gênesis. Antes de tudo precisamos entender que Deus é trabalhador (e temos texto no blog sobre isso se quiser se aprofundar) e que Ele nos colocou na Terra para trabalhar. Ele nos disse: “Cuide!”. Cuidar é um verbo, logo exprime ação, movimento. Mas a relação com a produção vivida em desequilíbrio traz consequências graves, tanto para nosso corpo material quanto para o imaterial. E como seres litúrgicos, tendemos sempre a devotar uma adoração a algum processo, reclinando nossos olhos, mente e coração a uma rotina que nos promete riquezas, estabilidade, segurança, conforto, socialização, prazer, sustento e identidade, porém, nenhuma dessas coisas nosso trabalho pode realmente nos entregar se Deus assim não nos conceder.

Poderia escrever alguns parágrafos contando pra vocês quantas foram as vezes que eu quebrei a cara confiando em resultados do meu trabalho, ou o quanto eu sofri com um fracasso que tive em uma atividade ou ao receber uma crítica negativa de alguém que me chefiava. O que posso dizer é que, a solução que encontrei então era me afundar mais em trabalho e para produzir mais e mais resultados de impactos positivos.

Eu via nos meus resultados a revelação da minha própria identidade e da minha essência. Eu tinha certa crença de que se as pessoas vissem como sou bom no que faço, isso indicaria que eu era uma pessoa boa e querida. Ou ainda, que se meus resultados fossem cada vez melhores, isso me levaria a um salário maior e maior também seria meu poder de compra para adquirir o que eu ainda não tinha (e muitas vezes nem precisava ter). Mas mesmo tendo todos os sinais e os alertas de pessoas mais experientes e entendidas no assunto, eu simplesmente os ignorava e queimava o combustível disponível para um dia de trabalho e sempre ia além, muito além.

E a conta veio: percebi que eu não conseguia mais reter muitas informações importantes, minha sociabilidade se resumia ao trabalho e tarefas a fazer, a beleza do abstrato se perdeu pra mim (apesar de eu ter também uma sensibilidade artística) e eu não conseguia mais ver beleza na vida. Por mais que eu mudasse de emprego, que tivesse cargos com maiores salários, a vida simplesmente continuava a mesma, e eu cada vez mais perdido no que deveria fazer.

Como falei no início, agora a hora já avançou, e são exatamente 20:01. Estou ainda numa carreira para viver o descanso. É possível encontrar em Deus o caráter da relação genuína com o trabalho. Jesus Cristo durante todo o seu ministério, dedicou tempo à alimentação de qualidade, à interação com seus amigos e família, participou de festa, dormiu e, principalmente, dedicou-se ao projeto que veio desenvolver.

Até entender que meu sustento, meus relacionamentos, minha segurança, meu alimento e meu futuro só estão assegurados em Cristo, minha vida se afundava em uma espiral sem fim ligada a uma identidade falsa formada a partir do que eu arrogantemente achava que eram produções das minhas mãos sem necessitar de Deus.

Ainda hoje, vivo uma jornada de volta para Ele, de volta à direção original dada no Édem, e não está sendo fácil. Todos os dias tenho ídolos a renunciar, mentiras que preciso confrontar, hábitos que preciso abandonar, medos que preciso encarar. Todos os dias eu preciso confiar em Cristo, porque trabalho para fazer, isso sempre vou ter, sempre vou ser tentado a me entregar mais do que devo. Porém, o que mais posso fazer hoje, neste momento, é simplesmente desligar meu computador, oferecer o meu dia a Deus, agradecê-lO por Sua provisão e me deleitar descansando na sua Graça.

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