O corpo na história ou a história do corpo?

Outro dia, em uma conversa com meu pastor, estávamos refletindo sobre arte, o quanto a escolha em apreciar e entendê-la é importante, o quanto isso nos ajuda a desenvolver nosso olhar (reeducando-o), até mesmo sobre a nossa existência. No ato da Criação podemos enxergar o cuidado de Deus em todos os detalhes, inclusive em não se render a ansiedade em ver sua obra pronta. Vimos o Criador do tempo sem pressa, entendendo e curtindo os processos de Sua criação, Deus evidentemente se importa com a eficiência e funcionalidade, porém Ele também se importa com a beleza. Carregamos em nós, em nosso corpo, a imagem e semelhança desse Criador, nossos corpos contam histórias, e cabe a nós nos aventurarmos nessa jornada de descobertas, e até mesmo a forma que as lemos. Fomos criados para refletirmos uma realidade visível, em um mundo extremamente caótico, revelando esse mistério divino, sendo um sinal d’Ele.

No Éden, Adão e Eva andavam nus e não se envergonhavam, eles experimentavam de uma total ausência de defesa na presença um do outro, o olhar do outro não representava nenhuma ameaça de desaprovação, de desrespeito ou de superioridade. Mas a Queda nos trouxe várias distorções, tanto que a primeira coisa que eles fizeram após a queda foi se cobrirem (um forte desejo de se proteger). Ali eles quebraram a confiança um do outro e, principalmente, com Seu Criador. Isso nos faz refletir muito sobre nossos comportamentos nos dias atuais: somos valorizados se formos úteis e, nesse caso, quando você estimula a minha luxúria. Quando o prazer se torna o objetivo principal das relações as pessoas se tornam o meio e quando esse objetivo não for alcançado ela é descartada, ignorada, cancelada. Nossa sociedade subvaloriza o corpo, pois ainda não entendeu o real significado do mesmo. Assumir que nenhuma criatura irá satisfazer os seus próprios desejos é nos colocar de fato em uma total dependência de Deus.

O corpo na história ou a história do corpo? A gente não pode esquecer que a maneira como enxergamos esse corpo hoje não é à toa. A imagem do corpo grego, por exemplo, ainda hoje é atraente e considerada uma referência nessa idéia de perfeição, cada cidadão era livre para atingir o corpo perfeito, idealizado e depois exposto. Vemos que essa forma idealizada de viver e pensar o corpo define também as formas de estar na sociedade. Em contrapartida, na Idade Média, o cristianismo nota o corpo de uma a outra perspectiva, nascendo, assim, essa dualidade: corpo e alma, em que o segundo prevalece sobre o primeiro. No Renascimento, o corpo é redescoberto e passa a ser estudado, já o corpo pós moderno passa a ser visto como um objeto da esfera do sujeito, o “eu” assumindo cada vez mais um papel de auto satisfação. Há uma busca enorme por uma aceitação e aprovação, hoje paga-se um preço muito alto por isso, afinal a ideia de “meu corpo, minhas regras, eu sou livre para fazer o que eu quiser!” tem sido central. As pessoas falam que querem ser livres de alguma coisa, mas, muitas vezes, não sabem para quê. A liberdade tem que habilitar você a fazer alguma coisa.

No entanto, não podemos nos esquecer que Cristo esteve entre nós, uma parte da Trindade assumiu um rosto, se fez Carne. Ele em sua tríade: vida, morte e ressurreição nos faz pensar em várias coisas, pois não há fé fora do corpo; Ele também nos apresenta a Redenção, que tem como objetivo principal reordenar, colocando as coisas nos seus devidos lugares. E isso nos mostra que esse corpo não é somente algo biológico e social, mas também sacramental. Lembra que nossos corpos contam histórias? Pois é, eles contam quem somos e para que fomos criados. Portanto, a fé cristã é uma conexão com o que não vemos, mas experimentada exatamente onde estamos.